Ervas Daninhas | Não Matem as Mensageiras

Traduzido de: “Weeds: Don’t Shoot the Messenger (not until you understand the message)” – Av Singh ( PhD, PAg, Organic and Rural Infrastructure Specialist with AgraPoint in Nova Scotia), The Canadian Organic Grower, Summer 2006 (http://www.cog.ca/)


“É com demasiada frequência que, quando agricultores começam a falar de ervas daninhas, a primeira pergunta mais comum é

“Como me livro de uma praga de…?”, quando uma pergunta mais apropriada seria

“Porque será que o meu espaço tem uma praga de… ?”.


Av Singh

A diferença subtil na questão acima requer uma mudança de paradigma surpreendentemente dramática face a como olhamos para ervas daninhas.

É necessário que as ervas daninhas deixem de ser vistas como um problema, pragas e fontes de frustração, e comecem a ser interpretadas como sintomas, contadoras de histórias e curandeiras.

Defensores das ervas daninhas consideram-nas plantas com uma missão e observam para aprender o que as ervas daninhas nos podem dizer sobre as condições do nosso solo (ex: pH, compactação, drenagem, etc.) ou as nossas práticas de gestão (ex: rotações de solo, espaçamento entrelinhas, lavoura, etc.).

"Ervas daninhas são flores também, quando te permitires conhecê-las." - Winnie the Pooh
“Ervas daninhas são flores também, quando te permitires conhecê-las.” – Winnie the Pooh

ERVAS DANINHAS, REDEFINIDAS

Nicolas Lampkin, da Organic Farming, enfatiza que é a actividade humana de agricultura que cria ervas daninhas.

Ele define uma erva daninha como “qualquer planta adaptada a habitats criados por humanos e que interfere com actividades humanas.”

Até para alguns, essa definição é um pouco severa porque se foca demasiado no negativo.

O primeiro passo na nossa propaganda das ervas daninhas é começar a entender o aparecimento de ervas daninhas como algo benéfico.

Estamos todos familiarizados com o ditado que a Natureza odeia espaços vazios.

Bem, práticas agrícolas criam um vazio onde comunidades inteiras de vida botânica e microbiológica são disturbadas e/ou destruídas.

A Natureza responde a isto com ervas daninhas.

Dentro de dias, plantas pioneiras como amaranto (Amaranthus spp.) , erva-couvinha (Chenopodium Album) e beldroega (Portulaca oleracea) crescem rapida e densamente. Elas vão ancorar o solo e criar matéria orgânica que alimenta a vida no solo.

Estas anuais de crescimento rápido também fornecem sombra, guardam humidade, e moderam a temperatura do solo que permite que outras plantas, como as bienais e perenes (como relvas), comecem a germinar.

Se deixadas por mais uma estação, esta terra terá menos anuais de crescimento rápido e favorecerá plantas das seguintes fases de sucessão.

Nos nossos campos, o solo está num estado anormal de distúrbio contínuo, e, como resultado, somos forçados a lidar com estes colonizadores pioneiros.

A maior parte destas anuais de crescimento rápido crescem sem fungos micorrízicos associados (devido, principalmente, ao facto do seu ciclo de vida ser demasiado curto para beneficiar de uma parceria simbiótica com fungos).

FUNGOS MICORRÍZICOS

Micorriza é a associação simbiótica entre fungos e as raízes de plantas. A maior parte das culturas agrícolas dependem, ou beneficiam das suas associações micorrízicas.
Em troca de carbono da planta, o fungo micorrízico torna fósforo mais solúvel e trazem nutrientes do solo (N, P, K – Azoto, Fósforo, Potássio) e água para a planta.

As Cruciferae (ex. bróculos, mostarda) e as Chenopodiaceae (ex. erva-couvinha, quinoa, espinafres, beterrabas) não criam associações com este fungos. Lavouras frequentes, fungicidas e niveís elevados de azoto ou fósforo podem inibir inoculação das raízes.

Similarmente, a prática de alqueivar (lavrar seguido de pousio – sem semear – por um ou mais anos) reduz os níveis de micorriza porque as plantas que se estabelecem após a lavoura normalmente não criam associações com tais fungos.

Previsivelmente, solos ricos com fungos micorrízicos (ex: pastagens, florestas, terrenos agrícolas ricos em matéria orgânica, especialmente via composto) têm menos ervas daninhas anuais.

Elaine Ingham da Soil Foodweb Inc. sugere que a presença de fungos serve como um sinal que impede as ervas daninhas anuais de germinar.

Associação simbiótica entre fungos e plantas.
Associação simbiótica entre fungos e plantas.

APRENDENDO COM AS NOSSAS ERVAS DANINHAS

Agora que compreendemos melhor a razão porque ervas daninhas aparecem nas nossas quintas, quintais e jardins, podemos observar com maior profundidade como podemos usar as ervas daninhas como indicadoras das condições do nosso solo.

É importante notar que muitas ervas daninhas toleram um vasto espectro de condições e, portanto, o aparecimento de algumas ervas daninhas individuais não é necessariamente prova de uma condição de solo subjacente.


Por exemplo, tanto a serralha (Sonchus spp.) como as rumex (Rumex spp.) indicam pobre capacidade de drenagem do solo, mas as rumex preferem solos mais ácidos, enquanto a serralha favorece um pH mais elevado.

Podes, no entanto, aprender sobre as condições do solo se a população de ervas daninhas é dominada por várias espécies que preferem condições semelhantes.

Por exemplo, se tanchagem (Plantago Major), unha-de-cavalo (Tussilago farfara) e malmequeres (Leucanthemum vulgare) forem as ervas daninhas predominantes, pode indicar que o solo tem muito pouca drenagem.

Práticas agrícolas como o cultivo, fertilização e gestão de pastos podem ter um grande impacto no solo, e, consequentemente, no aparecimento de certas espécies de ervas daninhas.

Lavoura frequente vai disturbar as milhões de sementes viáveis no banco de sementes que é o solo, e, com acesso a luz solar, estas irão germinar e ocupar solo nu.

Ervas daninhas como a erva couvinha e bredos (Amaranthus retroflexus) podem produzir 75,000 to 130,000 sementes por planta (respectivamente) que podem manter-se viáveis até 40 anos.

A presença de leguminosas como as ervilhacas (Vicia spp.), luzerna-brava (Medicago lupulina) e trevo (trifolium spp), (da esq. para a dir.) pode sugerir que o solo carece de azoto.

Em contraste, ervas daninhas no mesmo solo que aparentam um tom pálido amarelado e/ou atrofiado pode também indicar niveis baixos de fertilidade.

Pastoreio excessivo das pastagens pode levar a solos compactados e, aí, a presença de gramíneas e relvas perenes (géneros Poaceae e Agrostis) pode vir a predominar.

A falta ou desiquilíbrio de cálcio pode permitir que os solos fiquem mais compactos e sem a microbiologia apropriada no solo (fungos no caso de cálcio), este nutriente mineral não ficará no solo.

ERVAS DANINHAS SÃO PLANTAS COM UMA MISSÃO.

PH DO SOLO

Além de nos ajudarem a proteger e melhorar a matéria orgânica do solo, ervas daninhas podem também indicar acidez ou alcalinidade do solo.

A maior parte das culturas agrícolas desenvolvem-se melhor em solos ligeiramente ácidos (pH 6-6.5)

Uma presença crescente de plantas como a tanchagem, azedas (Rumex Acetosa) ou dente-de-leão (Taraxacum officinale) pode indicar que o pH está a descer abaixo de um nível desejável.

Contudo, ter solos ácidos não deve ser visto como algo prejudicial.

Muito do trabalho de Albrecht enfatizava que desempenhos botânicos pobres em solos de pH baixos eram de facto uma consequência de baixa fertilidade ou um desiquilíbrio dos nutrientes disponíveis no solo, e não derivado do pH do solo em si.

Por exemplo, muitos produtores de alfafa (Medicago sativa) testemunharam uma dramática invasão de dente-de-leão após a aplicação de niveís elevados de potássio (principalmente hidróxido ou carbonato de potássio).
  • Essencialmente, o potássio havia suprimido os níveis de cálcio no solo. As raízes profundas do dente-de-leão mina o cálcio do solo mais profundo e após a morte da planta, liberta esse cálcio nas camadas mais superficiais.
  • O aparecimento de dente-de-leão pode ser uma indicação de solos ácidos quando de facto o rácio de cálcio-potássio é que tinha causado o seu aparecimento.

Um desiquilíbrio de magnésio relativamente ao cálcio pode levar a solos apertados e eventualmente condições anaeróbicas (sem oxigénio) no subsolo.

Cálcio causa partículas do solo a separar-se, permitindo arejamento do solo e capacidade de drenagem; fungos ajudam a prevenir a lixiviação do cálcio fora do solo.

Magnésio causa a aglutinação de partículas e se o solo se tornar demasiado aglomerado, limita o acesso a oxigénio, e formas de vida benéficas no solo podem desaparecer.

Em tais condições, resíduos orgânicos no solo não se decompõem devidamente, e o aumento de dióxido de carbono no solo favorece fermentação dessa matéria orgânica, resultando em subprodutos como alcoól e formaldeído.

Estas substâncias inibem penetração de raízes; e potencia a criação de condições favoráveis a doenças no solo como podridão da raíz e míldios (pythium e phytophora)

Fermentação pode também gerar gás metano que é conducente à aparição de Juta-da-China (Abutilon theophrasti), ou gás etano que ajuda a Erva-dos-bruxos (Datura stramonium) a prosperar.

Relvas, com as suas finas e numerosas raízes tentam quebrar e abrir solos compactos, enquanto a presença de muitas ervas daninhas gramíneas pode indicar solo compactado.

QUERIDO(A), MUDEI A ERVA DANINHA

Então, o que mudou desde que começaste a ler este artigo?

  • Procura pelo benefício das ervas daninhas;
  • Ervas daninhas podem ser adubo verde ou cobertura de solo;
  • Ervas daninhas servem para fazzer circular nutrientes no subsolo (ex: ervas daninhas de raízes longas e profundas como o dente-de-leão e a bardana (Arctium lappa);
  • Ervas daninhas de raízes profundas podem abrir solos compactos, regulando a circulação de água no solo;
  • Ervas daninhas contribuem para a conservação de humidade no solo;
  • Ervas daninhas podem proporcionar habitat para organismos benéficos.

“O que é uma erva daninha? Uma planta cujas virtudes não foram ainda descobertas.”

talvez fazendo referência à maior virtude destas plantas: como mensageiras do solo.

-Emerson

CONDIÇÕES DE SOLO E ERVAS DANINHAS INDICADORAS

  • Inundado, com pouca drenagem: Erva-quaresma (Ranunculus repens), tanchagem (Plantago Major), unha-de-cavalo (Tussilago farfara), malmequeres (Leucanthemum vulgare), Regalo-da-horta (Rumex crispus), musgo, azedas (Rumex acetosa), Serralha (Sonchus oleraceus)
  • Ácido ou baixo em cal:  Feto (Pteridium aquilinum), unha-de-cavalo (Tussilago farfara), malmequeres (Leucanthemum vulgare), dente-de-leão (Taraxacum officinale), Regalo-da-horta (Rumex crispus), Cavalinha (Equisetum arvense), Centauria (Centaurea spp.), Sanguinária (Polygonum aviculare), Musgo, Verbasco (Verbascum thapsus), urtigas, tanchagem (Plantago Major), azedas (Rumex acetosa), Azedinhas (Rumex acetosella)
  • Sólido e compactado: Corriola (Convolvulus arvensis), Grama-francesa (Elymus repens), matricária ou camomila brava (Matricaria discoidea), Juta-da-China (Abutilon theophrasti), Erva-dos-bruxos (Datura stramonium)
  • Solo Mexido e Lavrado: erva-quaresma (Ranunculus repens), esparguta (Stellaria media), Sanguinária (Polygonum aviculare), Erva-couvinha (Chenopodium alba), alface-brava (Lactuca serriola), mostarda, urtigas, bredos (Amaranthus retroflexus), tanchagem (plantago major)
  • Alcalino: orelha-de-boi (Silene vulgaris), mostarda branca, serralha (Sonchus spp.)
  • Solo Pesado e Argiloso: Chicória (Cichorium intybus), unha-de-cavalo (Tussilago farfara), dente-de-leão, serralha (Sonchus spp.), Cardo-das-vinhas (Cirsium arvense)
  • Solos Secos: Cavalinha
  • Sobrepastoreado: gramíneas e relvas perenes (géneros Poaceae e Agrostis)
  • Desiquilíbrio Nutritivo: feto comum (pouco fósforo e potássio), milefólio (Achillea millefolium) (pouco fósforo)
  • Solos Salinizados: Bolsa-de-pastor (Capsella bursa-pastoris), barrilha ou soda (Salsola spp.)

Adaptado de um panfleto por Stuart Hill e Jennifer Ramsey para Projetos Agrícolas Ecológicos no Campus MacDonald de McGill e publicado em “A Alma do Solo: Um Guia para Gestão Ecológico do Solo”, 2ª ed, por Grace Gerhuny e Joseph Smillie.

Traduzido para português por Rute Gabriel, liberta-te.com. Nota de tradutor: algumas espécies do documento original foram omitidas por não serem nativas ou com presença espontânea em Portugal.

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